24/11/21—28/11/21
Recomendação etária: Livre
Ingressos: Grátis
Acesse as obras indicadas aqui:
Sesc Digital
Gostaria de indicar dois episódios da série Cena Inquieta: o primeiro é sobre a experiência dos grupos Clariô e Capulanas Cia de Arte de Negra. Interessante perceber a escolha por uma outra configuração geográfica: a periferia, na região metropolitana de São Paulo, Taboão da Serra (Grupo Clariô) e a zona sul da cidade de São Paulo, Jardim São Luís (Capulanas Cia de Arte Negra). Inseparável da condição geográfica está a condição racial: artistas pretas e pretos. Esta configuração também é definidora da poética e da escolha pela linguagem épica, de herança brechtiana, que privilegia a capacidade de ação perante a própria existência em detrimento de determinismos, sejam quais forem.
O outro episódio é composto pelos grupos As Bacurinhas (MG), Mulheres de Buço (RJ) e Coletiva As Minas (RJ). Existe uma configuração de gênero muito bem estabelecida nas pesquisas dessas organizações artísticas feita, pensada e difundida por mulheres nestes três coletivos feministas. A busca e a afirmação da liberdade corpórea, do feminino, da expansão e “descercamento” das expressões feministas é o centro das pesquisas dessas artistas que convocam e reúnem em e para si a potência e a urgência de serem sujeitas das próprias ações, corpos e futuros. A performatividade de si parece encontrar nas intersecções frutos e desmembramentos que se conectam e se alimentam ao mesmo tempo que se alimenta e alimenta o conjunto da sociedade.
Já no documentário No se Mira Impunemente, produzido pelo SescTV no Mirada de 2016, chama muito a atenção a vida pulsando neste registro e reflexões acerca de algumas instâncias do fazer teatral reunidas naquela edição do festival. A diversidade das criações teatrais, a busca e efetivação da potência viva estão ali retratadas e registradas por meio de imagens muito tocantes pela beleza e por nos trazer um passado recente de vida, de busca pelo encontro. Depoimentos de artistas nacionais, estrangeiros e intelectuais costuram e dialogam com trechos de espetáculos brasileiros e de fora, formando uma breve narrativa que nos possibilita revivenciar um pouco das inquietações e vislumbres contidos nos espetáculos elencados naquela edição do festival. É de fato muito emocionante rever esse material no momento que estamos vivendo, após tantas perdas, vácuos e ausências. Poder relembrar a potência do encontro, da arte, da presença e da vida, é algo pelo que vale se deter.
No episódio O Lugar da Diferença, da série De Onde se Vê, ressalto a necessidade de tratar as diferenças apenas como o que são: singularidades. É possível encontrar ali uma luta contra a transmutação da diferença em desigualdade. No início do vídeo vemos uma cena com conteúdo racializado, não à toa este discurso, inaugural, ganha sentido para opressões diversas de uma parte da América Latina e também da Europa, mais especificamente Portugal. O mote da etimologia da palavra teatro, em grego lugar de onde se vê, vira chão para questionamentos e reflexões acerca de lutas urgentes pela afirmação e reconhecimento das diferenças contra as opressões, sejam elas, raciais, de gênero, classe ou origem. Os depoimentos dos artistas ampliam e aprofundam os conteúdos apresentados, entrecortados por trechos de alguns espetáculos do ano de 2018 contidos no festival, última edição antes da paralisação pandêmica.
Por fim, uma apresentação do projeto #emcasacomsesc, o espetáculo Traga-me a Cabeça de Lima Barreto, com presença magistral do ator Hilton Cobra, o Cobrinha, da Cia dos Comuns (RJ). O modo como a dramaturgia, feita por Luiz Marfuz, encontrou mote para que as reflexões e situações trazidas por um Lima póstumo pousassem é de uma inteligência e profundidade muito potentes que a direção de Fernanda Júlia Onisajé, do grupo NATA (BA), e a atuação do Cobrinha souberam potencializar ainda mais. Trata-se de uma autópsia para que um congresso eugenista analise o cérebro do escritor a fim de entender como foi possível as criações do mesmo, mesmo ele sendo, no ponto de vista e concepção dos brancos médicos e cientistas sociais do século XIX, inferior intelectualmente. A síntese imagética de um cérebro crivado de búzios, com e em uma cabaça-cabeça como opele ifá, é de arrombar as retinas de tão lindo e profundo, com camadas de leitura quase infinitas de tão fundas como o “pré-sal”. Dominique Faislon foi muito feliz na realização e concretização dessa ideia e conceito, tem muita beleza ali...
Jé Oliveira
cientista social, ator, diretor e dramaturgo, professor de teatro e fundador do Coletivo Negro
24/11/21—28/11/21
Recomendação etária: Livre
Ingressos: Grátis
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